Trabalho Escravo no Brasil

Para muita gente, ouvir falar de trabalho escravo ainda parece coisa de outros tempos. Algo superado desde a assinatura da Lei Áurea em 13 de maio de 1888, data onde se teria abolido de vez a escravatura no Brasil. Infelizmente a realidade é bem diferente.

Segundo informações da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo “DE OLHO ABERTO PARA NÃO VIRAR ESCRAVO(A)”, coordenada pela Comissão Pastoral da Terra (CPT), desde 2005, já são mais de 50 mil pessoas retiradas de condições de escravidão no Brasil. São mulheres, homens e até mesmo crianças submetidas ao “trem da escravidão moderna”.

Durante toda esta semana, em vários estados do Brasil, estão sendo organizadas várias ações que buscam mostrar à população a existência dói crime de trabalho escravo no Brasil. Amanhã, 28 de janeiro é considerado o dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo. A data homenageia os auditores fiscais do trabalho Eratóstenes de Almeida, João Batista Soares Lege e Nelson José da Silva, e ao motorista Ailton Pereira de Oliveira, que foram assassinados equanto investigam denúncias de crime de trabalho escravo na cidade de Unaí, estado de Goías, no ano de 2004. Para este caso, assim como tantos outros, ainda perdura a impunidade.

Para compreender um pouco mais sobre esta temática do trabalho escravo, acompanhamos a seguir, trechos da entrevista concedida por Francisco Alan ao casasemiarido.org.br, site do Centro de Agroecologia no Semiárido (CASA). Francisco Alan é membro da CPT e um dos coordenadores da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo.

casasemiarido.org.br: Quais são os entraves para o combate do trabalho escravo no Brasil?

Francisco Alan – O Brasil ao longo dos anos ainda continua sendo uma referência, sobretudo na política de combate ao trabalho escravo. Porém, essa vitrine corre vários riscos de ser quebrada e muitos dos avanços dessa luta retroceder. Vários mecanismos de combate a esse crime vem sendo fortemente bombardeado pelas forças econômicas que exploram mão de obra. Um exemplo disso foi a suspensão da Lista Suja desde 2014, onde setores dá construção civil se organizaram para barrar a divulgação de empresas flagradas com TE; um outro ponto visível é a articulação do Congresso Brasileiro que vem a tempos tentando mudar o conceito de trabalho escravo. Conceito este que é elogiado internacionalmente pela Organização Internacional do Trabalho (OIT) e outros mecanismos internacionais. A bancada do BBB do Congresso tem o foco de retirar as características de jornadas exaustivas e condições degradantes do atual conceito de trabalho escravo descrito no artigo 149 Código Penal Brasileiro (CPB), que vigora desde sua atualização em 2003. E por fim, outro destaque foi a condenação do Brasil no caso da fazenda Brasil Verde. Uma inédita condenação sob a acusação de omissão e negligência no combate ao trabalho escravo. Mais detalhes sobre o caso Juliano, pode ser encontrado no texto “pode o Brasil permanecer referência no combate ao trabalho escravo”.  

casasemiarido.org.br: Como se dá a atuação da Campanha “DE OLHO ABERTO PARA NÃO VIRAR ESCRAVO(A)”?

Francisco Alan – A campanha vem atuando, sobretudo, nas comunidades mais vulneráveis, sejam elas origem ou destino dos trabalhadores e acompanhamento de trabalhadores que passaram por essa situação. Assume o papel da acolhida, encaminhamento de denuncias, debate nas bases e nas instâncias públicas, em busca de mecanismos para por fim à prática desse crime e para a garantia dos direitos dos que foram vitimados com o crime de TE.

Nós vimos apostando nesses últimos anos na criação de grupos de referência. Onde se reúnem membros de uma comunidade ou município e estes se tornam atores vigilantes no combate, levando informações aos trabalhadores e suas famílias sobre o tema, mas, sobretudo, um grupo que cobra localmente ações para a mudança da realidade. Atualmente estamos desenvolvendo um Projeto Piloto, chamado Rede de Ação Integrada Combatendo a Escravidão (RAICE).

casasemiarido.org.br: Diante da realidade, quais as medidas cabíveis para o combate deste crime?

Francisco Alan – O mais urgente é o Estado garantir políticas públicas de qualidade que proporcione condições de vida digna para os trabalhadores/famílias que são afetadas por problemas ainda gritantes no país. Reforma agrária, auxílio aos agricultores familiares com tecnologia que respeite seus territórios, ter educação de qualidade no campo, saúde, geração de renda de acordo com o desejo dá localidade. Políticas que nasçam do anseio dá comunidade. Essas seriam as de maior urgência e ao mesmo tempo, a condenação dos crimes que ainda vigoram, entre eles a impunidade.

Requer fortalecer ainda mais a política de enfrentamento através do Plano Nacional de Erradicação do Trabalho Escravo e cada órgão e organizações da sociedade atuarem em conjunto para melhorar ainda mais esse combate. Esperamos que essa recente condenação do Brasil pela Corte Interamericana de Direitos Humanos possa refletir sobre o Estado Brasileiro e, sobretudo, sua real atuação frente a essa forma de degradação da vida humana, que é o trabalho escravo.

A partir da entrevista, é possível perceber o importante papel que tem desempenhado a Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo e os entraves para o combate desse crime.  Conforme descreveu Francisco Alan, um destes entraves é a tentativa de derrubada de do conceito de TE, conforme estabelece o artigo Art. 149 do CPB:

Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

Pena – reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

§1° Nas mesmas penas incorre quem: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

§ 2°  A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

I – contra criança ou adolescente; (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem. (Incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003).

 

Diante disso, faz-se necessário nos mantermos vigilantes. Não dá mais para aceitar essa realidade de ganância, miséria e impunidade – tripé que sustenta a o trem da escravidão moderna.  Se não se muda esta realidade, continua-se um ciclo vicioso.

 

 

Por Juliano da Silva Vilas Boas
Comunicador Popular
Centro de Agroecologia no Semiárido (CASA)

 

 

 

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